Aquisição e posse de imóvel rural por estrangeiro
por CCHDCFoi aprovado no dia 15 de dezembro no Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.963, de 2019, que estabelece novo regime jurídico para a aquisição e a posse de imóvel rural por pessoa físicas ou jurídicas estrangeiras, conforme comando da Constituição Federal de 1988. A aplicação até então da Lei nº 5.709, de 1971, gerou várias controvérsias, levando a Advocacia Geral da União (AGU) a prolatar três pareceres, este último parecer vinculante (LA-01 de 2010), retomando restrições em uma reinterpretação da norma.
Nas prévias de análises de impacto regulatório, nota-se relevante assimetria da informação entre os agentes, instituições e mesmo poderes constituídos. Isso se dá em muito pelo reflexo de ideologias, falso dilema da soberania nacional e pouco entendimento do funcionamento das cadeias de agroindustriais. Em oposição ao mérito do projeto, geralmente são levantadas determinadas questões com fundamentação difusa.
A melhor integração da produção rural nacional às cadeias globalizadas tende a aprimorar o modelo doméstico
A primeira a suscitar é que a aquisição de terras por estrangeiro, com aumento da produção, seria capaz de diminuir a fertilidade. Todavia, o manejo da terra com a utilização adequada de defensivos e técnicas agrícolas é capaz de melhorar o solo.
A ameaça aos recursos hídricos também não se fundamenta, já que seu uso é condicionado a outorga do Poder Público e exige utilização racional.
Quanto à migração, sabe-se que a atividade rural demanda mão de obra constante e muitas vezes intensiva e a vinda de mão de obra pode beneficiar o país com fluxos internacionais de tecnologia empregada.
No tocante a riscos de exportação de produtos subfaturados, sabe-se que o mercado de commodities agrícolas tem preços cotados em bolsas internacionais e a infração das regras de transfer pricing impõe sérias sanções.
Por fim, na ameaça à segurança alimentar, sabe-se que os mecanismos de defesa comercial são capazes de corrigir os fluxos internacionais de comércio quando estes desequilibram a oferta no mercado interno.
A sociedade estrangeira investidora deverá ser autorizada a funcionar no país nos termos do artigo 1.134 do Código Civil. Com o inventário da documentação exigida, pretende-se que seja fornecida uma visão completa e detalhada da estrutura interna da sociedade estrangeira. Caberá ao Poder Executivo conceder autorização aceitas as condições e na expedição do decreto constará o montante de capital destinado às operações no país.
Ainda de acordo com o artigo 1.137 do Código Civil, a sociedade estrangeira autorizada ficará sujeita às leis e aos tributos brasileiros, quanto aos atos ou operações praticados no Brasil. De outro modo, as restrições estabelecidas na lei não se aplicam às pessoas jurídicas brasileiras constituídas ou controladas direta ou indiretamente por pessoas privadas, físicas ou jurídicas estrangeiras.
Contudo fica sujeita à aprovação pelo Conselho de Defesa Nacional, órgão consultivo da Presidência da República, a aquisição de imóveis rurais ou o exercício de qualquer modalidade de posse, ainda que forma indireta, por meio de participação societária, constituição de fundos de investimentos ou consórcios, em que haja a participação das seguintes partes:
ONG com atuação no território brasileiro que tenha sede no exterior ou ainda organização estabelecida no Brasil, cujo orçamento proveniente majoritariamente de uma mesma pessoa física estrangeira, ou empresa com sede no exterior ou, ainda, proveniente de mais de uma dessas fontes quando coligadas; fundação particular, quando os seus instituidores forem pessoas físicas estrangeiras ou empresas estrangeiras autorizadas a funcionar no Brasil, com sede no exterior; fundos soberanos constituídos por recursos provenientes de estados estrangeiros e sociedades estatais estrangeiras, que detenham mais do que 10%, direta ou indiretamente, de qualquer sociedade brasileira; e pessoas jurídicas brasileiras controladas direta ou indiretamente por partes estrangeiras, quando o imóvel rural se situar no Bioma Amazônico.
Há ainda restrições quanto a situação do imóvel objeto de aquisição ou posse. Assim, a soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá ultrapassar a um quarto da superfície dos municípios onde se situem e as pessoas da mesma nacionalidade não poderão ser proprietárias ou possuidoras de mais de 10% da extensão territorial municipal. Também à aquisição, por pessoas estrangeiras, de imóvel situado em área indispensável à segurança nacional (fronteiras).
Competirá aos Estados disciplinarem, por meio de leis ou atos administrativos, o estímulo aos projetos relacionados à atividade produtiva primária em propriedades adquiridas ou arrendadas, nos termos da lei, orientados a partir de zoneamento econômico-ecológico (ZEE), com a definição de projetos prioritários conforme vocações e interesses de cada unidade federativa, com objetivo de agregar valor à produção primária por meio da verticalização da produção.
Na hipótese de violação das normas em projeto será considerado nulo o negócio jurídico praticado, e ainda, a norma obrigará os adquirentes a declararem informações fiscais relativas aos imóveis e da estrutura empresarial no exterior e no Brasil, sob pena de responsabilidade civil e criminal do representante legal.
No direito comparado identifica-se nas principais potências agroindustriais condições de acesso e controle ao investimento estrangeiro em imóveis rurais. Assim é fundamental ressaltar que a melhor integração da produção rural nacional às cadeias globalizadas, com respeito a propriedade privada e ao livre de mercado, tende a aprimorar o modelo doméstico de funcionamento e a relação com segmentos de insumos, comercial e tecnológico, a partir de estímulos recíprocos, superação de gargalos e mais amplos fluxos de negociação internacional.
Fonte: Valor Econômico