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7 de junho de 2021

VIRANDO O JOGO: A ACEITAÇÃO PELO JUDICIÁRIO DA LEGITIMAÇÃO DOS AGENTES ECONÔMICOS PARA O PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL

por CCHDC

Ao modernizar o sistema da insolvência, no ano de 2004, o então Relator Senador Ramez Tebet declarou que “nosso trabalho pautou-se não apenas pelo objetivo de aumento da eficiência econômica – que a lei sempre deve propiciar e incentivar – mas, principalmente, pela missão de dar conteúdo social à legislação.[1]. Essa pretensão se refletiu de modo expresso na Lei de Recuperação Judicial de Empresas e Falência, vigente desde o ano de 2005, ao prever que o processo de recuperação judicial visa a superação da crise econômico-financeira, a fim de manter a atividade econômica, e, por consequência, preservar os empregos, o estímulo à economia, e todos os demais efeitos decorrentes da função social da atividade.

Acontece que, por uma influência do, à época, recente Código Civil, promulgado no ano de 2002, essa possibilidade de soerguimento foi direcionada somente aos empresários e sociedades empresárias. Todos os demais agentes econômicos ficaram então no limbo, sem qualquer instrumento legal para viabilizar o seu soerguimento, mesmo também sendo igualmente responsáveis pela geração de empregos, circulação de riquezas, recolhimento de tributos, aumento da concorrência, e impulso ao crescimento econômico regional e nacional.

Em função do período de prosperidade econômico do Brasil na época, esse assunto não ganhou o centro do debate no âmbito jurídico e legislativo. Contudo, com a persistente recessão do país desde 2014 e o aumento histórico no número de desempregados, e, principalmente, com os impactos severos da pandemia do COVID-19, “os esqueletos foram expostos”, sem, contudo, ter havido qualquer flexibilização neste tocante na legislação, a despeito da recente lei que a alterou.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no primeiro semestre de 2021 o Brasil chegou ao número de 14,8 milhões de desempregados, o que representa 14,7% da população brasileira[2]. Para fins de dimensão, o número de desempregados equivale ao número de habitantes do Estado da Bahia (14,9 milhões), e fica próximo do número de habitantes do Estado do Rio de Janeiro (17,3 milhões)[3].

Na perspectiva do crescimento econômico, conforme estudo publicado pelo Banco Mundial em janeiro de 2021, há uma projeção de crescimento do PIB do Brasil de 3% e 2,5% nos anos de 2021 e 2022, respectivamente. A título comparativo, no mesmo período se projeta que o PIB dos Estados Unidos deve crescer 3,5% e 3.3%, e da China 7,9% e 5,2%[4].

Diante desse contexto de crise duradoura e retrocesso social e econômico, a possibilidade dos agentes econômicos não-empresários finalmente ganhou o centro do debate nos Tribunais, e está em um movimento ascendente, para que possam eles se utilizar dos institutos legais de recuperação judicial e recuperação extrajudicial. A justificativa é lógica. Se a pretensão do legislador foi preservar a atividade, os empregos, e o crescimento econômico, não há qualquer razão para afastar essa possibilidade dos demais agentes econômicos, ainda mais em um contexto social e econômico dramáticos, sem precedentes, como o que está ocorrendo de forma global, e ainda de forma mais sensível, no Brasil.

Com base nessa lógica fática e legislativa, os tribunais estaduais nacionais vêm reconhecendo a legitimidade dos agentes econômicos não empresários para terem acesso aos instrumentos legais que tem como objetivo a superação da crise econômico-financeira.

Destaca-se que, em 2020, a 6ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro deferiu o processamento da recuperação judicial da Universidade Cândido Mendes, tendo sido essa decisão mantida pelo Tribunal de Justiça daquele Estado. Em 2021, também foi deferido o pedido de recuperação judicial do Grupo Metodista, com a chancela do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ainda, o clube de futebol Figueirense entrou com pedido de recuperação extrajudicial, precedido por uma tutela para impedir que os seus credores pudessem esvaziar os seus ativos, tendo ambos sido acolhidos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Logo, após muito se fugir dessa matéria, e infelizmente em um momento caótico, os tribunais vêm percebendo a antinomia entre a intenção do legislador de preservar a atividade econômica e a função social, com a restrição do acesso aos instrumentos de superação da crise à certos agentes – associações, com o reconhecimento da legitimidade dos agentes econômicos não-empresários para pedirem a sua recuperação judicial ou extrajudicial. Deixou de ser uma faculdade, e passou a ser uma exigência de uma sociedade com 14,8 milhões de desempregados e um crescimento econômico pífio. Diante desse contexto, diria Winston Churchill, “às vezes é melhor ser irresponsável e estar certo, do que ser responsável e estar errado.[5].

Mais uma vez, resta claro que a utilização desta ferramenta – recuperação judicial ou recuperação extrajudicial – é o único meio viável para a superação de crise de qualquer agente econômico em crise, já que através deste instituto é possível a renegociação global das dívidas, com prazo alongado, bem como eventual alienação de ativo, sem que haja qualquer sucessão ao comprador, possibilitando também a eles – associações e clubes em crise – buscar investimentos no mercado, e continuar exercendo sua função social, bem como oferecer entretenimento à população!

 

Fernando Castellani

Márcia F. Ventosa

Thaís Vilela O. Santos

Arthur Santos Gonçalves

 


[1] Ramez Tebet. Parecer nº 534, de 2004. p. 20.

[2] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Desemprego. Disponível em:<https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php>. Acesso em 02 de jun. de 2021.

[3] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em:<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama>. Acesso em 02 de jun. de 2021.

[4] World Bank. 2021. Global Economic Prospects, January 2021. Washington, DC: World Bank. doi: 10.1596/978-1-4648-1612-3. License: Creative Commons Attribution CC BY 3.0 IGO.

[5] Winston Churchill. Radio broadcast, 1950 – “Perhaps it is better to be irresponsible and right, than to be responsible and wrong.”.

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