A RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA
por CCHDCO Código de Processo Civil trouxe, em seu bojo principiológico, a necessidade de dar efetividade ao processo, notadamente, ao procedimento executório, vez que, nos últimos tempos, observa-se a crescente frustação de credores na satisfação de seu crédito.
Nesse sentido, o aludido diploma legal elencou, em suas normas fundamentais, os artigos 4º, 6º e 8º, nos quais é possível se extrair a necessidade de um processo civil efetivo e eficiente, capaz de consagrar a atividade satisfativa em tempo razoável.
À vista disso, ao analisar o rito de execução como um todo, é possível se concluir que o princípio da efetividade o permeia, principalmente, ao se notar preceituações legais que direcionam à consumação do valor cobrado por alguém, seja o título judicial ou extrajudicial.
Tal ímpeto é constatado, a título de exemplo, no artigo 789 do Código de Processo Civil, cujo teor expressa que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.
Também, para continuar a exemplificação, imperioso destacar o artigo 835 do mesmo códex, no qual se extrai a ordem preferencial de penhora, dando-se prioridade ao dinheiro, em espécie, em depósito ou em aplicação financeira, vez que é o meio mais célere e efetivo para o cumprimento da obrigação.
Porém, como se vê no artigo citado no parágrafo supra, a responsabilidade patrimonial do devedor possui limitações, notadamente, para garantir a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988), um dos postulados basilares da República, e que o procedimento tramite com a menor onerosidade ao requerido (artigo 805 do Código de Processo Civil).
Tais limitações se caracterizam na impenhorabilidade de bens. O rol de bens impenhoráveis é encontrado no artigo 833 da legislação analisada, como também em legislações especiais, como a do Lei nº 8.009/09, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.
Segundo o artigo 1º da mencionada lei, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
E esse bem, conforme o parágrafo único do dispositivo indicado, compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
É possível verificar que as execuções observadas no cotidiano forense acabam por atingir imóveis com tal qualidade, o que enseja a necessidade apresentação de defesa processual pelo devedor nos autos executivos, para arguir-se esse caráter do bem.
Em cenários como o exposto no parágrafo anterior, o Magistrado, na maioria dos casos, acaba por levantar eventual penhora, respaldando-se em dispositivo legal.
Contudo, essa impenhorabilidade acaba por ser utilizada por devedores para fraudar e frustrar a execução, tornando-se matéria defensiva recorrente e, muitas vezes, com o fim de não adimplir com o crédito executado.
Observando esse contexto, os Tribunais Nacionais acabaram por relativizar, em determinadas situações, a impenhorabilidade do bem de família, precipuamente, para consagrar a efetividade processual.
Nesse sentido, cabível analisar o acórdão prolatado no processo de nº 1094244-02.2017.8.26.0100, pela 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nessa decisão, o Tribunal entendeu que a impenhorabilidade do bem de família, ainda que sustentada na proteção da dignidade da pessoa humana, pode ser relativizada em casos de imóveis com elevadíssimo valor.
O Egrégio Colegiado definiu assertiva de que o imóvel de alto valor, mesmo que observado o caráter da limitação executiva, pode ser alvo de constrição e de venda, desde que com a garantia de reserva, ao devedor ou ao terceiro meeiro, de parte suficiente do valor alcançado, para que possa adquirir outro imóvel que propicie à família moradia talvez não tão luxuosa, mas tão digna quando a proporcionada pelo bem constrito
Assim, segundo a Corte Paulista, se o imóvel perceber valor considerável na sua avaliação e que, em sua eventual venda, permita o devedor a adquirir imóvel que lhe garanta moradia digna e padrão análogo ao penhorado, a sua restrição poderá ser relativizada.
Tal decisão é um marco na temática, pois traz entendimento que visa assegurar a tutela executiva, principalmente, em contexto em que muitos devedores acobertam seu imóvel com a impenhorabilidade analisada e que acaba por frustrar inúmeras execuções.
De toda forma, apesar da citada relativização acerca do bem de família, a impenhorabilidade é a regra para bens dessa natureza.