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2 de agosto de 2021

O CRÉDITO TRABALHISTA E O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL

por CCHDC

Com a deflagração da crise econômica e sanitária atravessada nos anos de 2020 e 2021, o Brasil viu algumas das mais populares empresas encerrarem suas atividades no país, como, por exemplo, ocorreu com a Ford do Brasil. A fabricante de automóveis matinha fábricas em Camaçari-BA, Taubaté-SP e Horizonte-CE, as quais foram fechadas, resultando na demissão de 6 mil trabalhadores1. O Sindicato dos Metalúrgicos tentou impedir o fechamento das fábricas e manter os empregos, inclusive mediante a realização de uma “vigília”2 em frente da fábrica, mas essas medidas não surtiram efeito. 

O episódio narrado acima, em especial o comportamento do Sindicato da categoria, demonstra que o próprio trabalhador é um dos maiores interessados na preservação da empresa, uma vez que com o encerramento da atividade, ele perderá sua fonte de renda, sem saber se, em um curto prazo, conseguirá outro emprego.  

Portanto, mais do que um interesse meramente privado do sócio ou acionista da sociedade empresária, a manutenção da atividade empresarial viável é de interesse coletivo, inclusive dos trabalhadores, para manutenção dos empregos, tendo se tornado imprescindível a utilização pelo empresário de um instrumento para viabilizar a superação da crise econômico-financeira, que coloca em risco a empresa.  

Até 2004 a ferramenta disponível era a concordata preventiva, procedimento previsto pelo Decreto Lei nº 7.661, do ano de 1945, porém, em razão das evoluções na estrutura das sociedades empresárias, dos credores, e das relações comerciais, a concordata ficou defasada, e até mesmo “desacreditada”.  

A partir desse cenário, o legislador, em clara evolução na área do direito da insolvência, se estruturou o processo de recuperação judicial, promulgado pela Lei nº 11.101/2005. Com ele, todos os créditos existentes (vencidos e vincendos) até a data do pedido de recuperação judicial ficam a ela submetidos, inclusive aqueles derivados da relação de trabalho e de acidente de trabalho (classe I). 

Todavia, o instituto da recuperação judicial não foi bem aceito pela Justiça do Trabalho. Isso se diz, pois, mesmo na vigência da Lei nº 11.101/05, os Juízos laborais mantiveram a adoção de medidas para “proteger” o trabalhador do processo de recuperação judicial, sob o fundamento de que o crédito trabalhista é posterior ao seu pedido, com base na data da decisão – sentença e trânsito em julgado – que o define. Com isso, determinava-se o prosseguimento das execuções trabalhistas para a satisfação do crédito do trabalhador, ainda que sujeito ao plano de pagamento concursal. 

A partir desse descompasso entre a justiça especializada e a intenção do legislador, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se deparou com uma enxurrada de recursos e conflito de competências, e assim, a Segunda Seção do STJ colocou um fim nesse debate sobre a sujeição ou não do crédito trabalhista, ao estabelecer que “[p]ara o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.3 

Assim, por exemplo, se o crédito do trabalhador decorre de horas extras, o fato gerador desse crédito é a data/período em que o trabalhador cumpriu as horas extras, ou seja, se essa data/período foi anterior ao pedido de recuperação judicial, o crédito estará submetido, ou, se a data/período foi posterior, o crédito não estará submetido. Irrelevante, para esse fim, a data da reclamação trabalhista, da sentença, ou do seu trânsito em julgado. 

Logo, a compreensão da crise da empresa e o respeito ao processo de superação são necessários para a preservação do interesse do próprio trabalhador. O encerramento, conforme se viu no episódio da Ford do Brasil, fatalmente leva os trabalhadores ao desemprego, não existindo vigília que salve. Assim, necessário que a Justiça do Trabalho pratique o entendimento já fixado pela Corte Superior e evolua na sua compreensão, sob risco de lesar a todos os que a legislação do trabalho e a própria Lei nº 11.101/2005 visam proteger, o que abarca o próprio trabalhador e seu crédito! 

 

Fernando Castellani 

Márcia F. Ventosa 

Thaís Vilela O. Santos 

Arthur Santos Gonçalves 

 

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