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31 de agosto de 2021

O contrassenso no entendimento do STJ quanto a opção do credor na habilitação de seu crédito na Recuperação Judicial

por CCHDC

O contrassenso no entendimento do STJ quanto a opção do credor na habilitação de seu crédito na Recuperação Judicial

 

Em recentes sessões de julgamento, a Terceira e a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicaram o entendimento de que a “habilitação é providência que cabe ao credor, mas a este não se impõe. Caso decida aguardar o término da recuperação para prosseguir na busca individual de seu crédito, é direito que lhe assegura a lei.1. 

Embora tenha gerado grande repercussão, esse entendimento se encontra firmado pela Segunda Seção do STJ desde 2011, quando do julgamento do Conflito de Competência nº 114.952/SP, de relatoria do ministro Raúl Araújo. Naquela ocasião, a partir de uma interpretação literal dos dispositivos da Lei 11.101/05, a Corte observou que a lei conferiu ao credor a providência para a habilitação de seu crédito na recuperação judicial, mas que a ele não se impõe, podendo ele promover a execução individual, contudo, para não inviabilizar o cumprimento do plano, essa execução somente poderá tramitar após o encerramento do processo de recuperação judicial, em vista do princípio da preservação da empresa. 

Esse também foi o entendimento aplicado pela Terceira Turma do STJ no REsp nº 1.873.572/RS, em recente julgado. A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou:“essa habilitação do crédito, releva destacar, nos termos da orientação firmada na Segunda Seção do STJ, constitui-se em faculdade que a Lei 11.101/052. 

Por seu turno, a Quarta Turma do STJ, no REsp nº 1.851.692/RS, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, também seguiu esse posicionamento. Nesse caso em específico, vale destacar o uso do termo “crédito que for voluntariamente excluído do plano recuperacional3. Isso expõe que a Turma considera o crédito não habilitado como excluído de forma espontânea pela sociedade em recuperação judicial. 

Embora consolidada, a orientação é contrario sensu ao próprio espírito da Lei de Recuperação Judicial, e traz uma enorme insegurança jurídica a todos os envolvidos no processo de soerguimento. O processo de recuperação judicial instituído pela Lei 11.101/05, como forma de reestruturar a atividade, autorizou que o devedor em crise fizesse uma ampla renegociação do seu passivo junto aos seus credores, submetendo todos os créditos existentes na data do pedido, ressalvados aqueles excluídos expressamente pela lei.  

A partir desse posicionamento reafirmado agora pelo STJ , o que se vê é que os princípios da isonomia e da paridade entre credores ficam banalizados, pois,  embora o devedor que opte pela propositura de ação de execução, tenha que aguardar o encerramento da recuperação judicial, a dívida continuará existindo, e sofrerá atualização (diferentemente do que acontece com os créditos pagos na recuperação judicial, em que os valores são atualizados até a data da distribuição do pedido), e ainda, este credor não terá tratamento igualitário no tocante a negociação, visto que, a despeito de se tratar de crédito sujeito à recuperação judicial, poderá ser ele submetido a uma negociação individual, e isso, por certo, configura claramente em favorecimento a este credor, o que é proibido pela própria Lei de Recuperação Judicial. 

 Por seu turno, o posicionamento é terrível também para os credores. O fato de ficar fora da recuperação judicial é uma ilusão. Além de não poder negociar com o devedor, o credor não poderá votar o plano de recuperação judicial apresentado, não receberá o pagamento previsto no plano, ficando sujeito a não receber caso ocorra a convolação em falência ou ainda, venha a prescrever o direito de recebimento do crédito. Diante disso, verifica-se que a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça vai na contramão da intenção legislativa contida na Lei de Recuperação Judicial, pois abre uma lacuna na reorganização do passivo das empresas que buscam a superação da crise, uma vez que revive o ineficaz instrumento da concordata preventiva, o qual o legislador procurou corrigir.  

Tal orientação traz uma enorme insegurança jurídica a todos os envolvidos no processo de soerguimento empresarial, sem contar que para os próprios credores que assim venham a optar é uma armadilha, visto que a necessidade de aguardar o fim da recuperação judicial os sujeitam ao risco de não receberem em caso de convolação em falência ou prescrição do direito, bem como impossibilita, a prática de atos para garantia do crédito. Assim, por qualquer perspectiva que se observe, o entendimento firmado, pode-se dizer: é um desserviço! 

 

Fernando Castellani 

Márcia F. Ventosa 

Thaís Vilela O. Santos 

Arthur Santos Gonçalves 

 

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