As criptomoedas na reestruturação empresarial
por CCHDC
No sistema de insolvência regido pelo Decreto-Lei nº 7.661/1945, o empresário poderia tentar recuperar a sociedade empresária somente por dois meios: dilação do vencimento das obrigações e/ou a remição parcial da dívida, ambos viabilizados através da polêmica ferramenta jurídica então conhecida por “concordata”.
Acontece que o modelo ficou obsoleto ante a evolução nas relações comerciais e o aumento na complexidade da atividade empresária, fora o estigma negativo que lhe foi atribuído. Diante disso, o legislador, por meio da ferramenta da Recuperação Judicial e Extrajudicial, criada pela Lei 11.101/2005, possibilitou ao empresário a utilização dos mais variados meios para superar a crise econômico-financeira que lhe aflige, desde que ele seja aprovado pelos seus credores, respeitados os percentuais de quórum estabelecidos pela própria legislação, por classe.
Assim, o empresário passou a contar com a chancela legislativa para readequar e organizar a sua empresa, com o objetivo de dar continuidade e desenvolvimento à sua atividade. Para tanto, deverá avaliar os melhores meios para superação da crise, conforme a atividade, a natureza dos créditos, e a deficiência econômica que pode ter dado origem à crise empresarial temporária.
Diante dessa ampla possibilidade de reestruturação, transcorridos 16 anos da promulgação da atual lei de regência da Recuperação de Empresas, nota-se uma ampla criatividade dos empresários na reorganização do seu endividamento, através dos respectivos planos de pagamento de credores, que vai desde pagamentos com dação em pagamento de título mobiliários, até pagamentos com dação de outros bens, como, por exemplo, bens de seu estoque, que é um ativo.
Nesta esteira, um ativo inusitado e que se mostra disponível para esse fim (pagamento de credores), são as criptomoedas – ou “moedas virtuais” -, em especial a Bitcoin. Embora não exista um consenso na sua terminologia, prevalece o conceito de que a criptomoeda é um ativo digital, transacionado sem um agente intermediador, e validado por meio de tecnologia criptográfica. As criptomoedas é uma forma de dinheiro, assim como o real, dólar ou euro, com a diferença de ser puramente digital e não ser emitido por nenhum governo.
A propósito, o Banco Central do Brasil, através do Comunicado n° 31.379, já declarou que as criptomoedas não se confundem com as moedas eletrônicas definidas pela Lei nº 12.865/2013, uma vez que esta “(…) é um modo de expressão de créditos denominados em reais. Por sua vez, as chamadas moedas virtuais não são referenciadas em reais ou em outras moedas estabelecidas por governos soberanos.”
Embora não se trate de uma moeda fiduciária, fato é que se trata de um ativo com liquidez e com vantagens em relação aos meios tradicionais de pagamento, sendo que uma das principais vantagens é a possibilidade de enviar e receber instantaneamente as criptomoedas, em qualquer parte do mundo e a qualquer tempo, sem necessidade de conta bancária.
Não há também nenhum custo com transações financeiras, em razão de ela ser realizada diretamente entre as partes envolvidas no negócio, sem um intermediário, pelo sistema denominado ponto-a-ponto (peer-to-peer). Se trata de um meio muito mais ágil ao pagamento e recebimento do crédito, já que afasta as burocracias para a transação, e ainda, ter uma maior ampliação de sua utilização pelo próprio credor, ao receber o pagamento do seu crédito, pois ele não fica preso às possibilidades que a moeda fiduciária oferece.
No caso da moeda comum, se o credor quiser investir o valor, será necessário tirar a quantia de sua conta e repassar a um ativo específico. Com as criptomoedas, as possibilidades se ampliam. É possível transformar esse formato em dinheiro fiduciário com as exchanges, mas ele pode reinvestir em outras moedas e contar com a valorização delas, ampliando as suas receitas.
Com isso, além de ser um meio para satisfação das obrigações ordinárias, as criptomoedas se mostram adequadas para o soerguimento da atividade em crise, ou seja, para pagamento dos planos de recuperação judicial. A redução dos custos de transação e a agilização no pagamento, bem como a ampliação de utilização do crédito, é fato que a sua utilização como meio de pagamento traz um importante avanço ao procedimento e, consequentemente, a superação da crise pela empresa, uma vez que o pagamento dos credores é essencial para o fim pretendido.
Logo, as criptomoedas, em especial a bitcoin, é um meio para satisfação das obrigações sujeitas à Recuperação Judicial e Extrajudicial, ante a ampla possibilidade conferida pelo legislador ao empresário para soerguimento da sua atividade. Além disso, esse ativo tende a tornar o processo mais efetivo, tanto em relação à sociedade empresária, como aos próprios credores.
Fernando Castellani
Márcia F. Ventosa
Thaís Vilela O. Santos
Arthur Santos Gonçalves