STJ Admite Penhora de Bem de Família em Contrato de Empreitada Global
por CCHDCO artigo 833 do Código de Processo Civil [1] elenca o rol de bens que são considerados impenhoráveis para satisfação de débito. Em adição, a Lei 8.009/90 também traz eu seu bojo a disposição acerca da impenhorabilidade do bem de família, que, em linhas gerais, é conceituado como o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, ou seja, aquele destinado à moradia do devedor ou de sua família.
O artigo 3ª da referida lei preceitua que “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza” e faz a ressalva expressa dos casos em que essa tese de defesa não pode ser utilizada pelo devedor ou por terceiro interessado na causa para proteção do bem. Dentre as exceções, está a prevista no inciso II, o qual prescreve que a impenhorabilidade do bem de família não será aplicada quando se tratar de cobrança de dívida decorrente de “financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato”. Ou seja, a proteção ao bem de família será afastada no caso fundado em contrato de financiamento imobiliário, por exemplo, de modo que o bem poderá ser penhorado e expropriado pelo credor.
Recentemente, transitou em julgado decisão proferida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 2021/0251141-5, no qual restou analisado se a dívida decorrente de contrato de empreitada global – celebrado para edificação do imóvel – também se enquadra na exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei 8.009/90 [2], autorizando, portanto, a penhora do bem de família quando configurada tal relação jurídica. Explica-se que, nesta modalidade contratual, o contratado (contratado) e se obriga a fornecer a mão de obra e material ao contratante (dono da obra).
Nas razões do aludido recurso, os Recorrentes buscavam a reforma do acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que manteve a decisão do juiz de 1ª instância, proferida nos autos de cumprimento de sentença, rejeitando a alegação de bem de família e deferindo o pedido de penhora de imóvel para satisfação de dívida de contrato de empreitada global entabulado para edificação do bem.
A Ministra Relatora do caso, Nancy Andrighi, ao analisar a temática, ressalvou em seu voto que a proteção conferida ao bem de família não é de caráter absoluto, posto que a lei prevê diversas exceções e que cabe ao intérprete “identificar a mens legis, isto é, o que o legislador desejaria se estivesse vivenciando a situação analisada”. Em sua conclusão, fez a seguinte observação em relação à exegese do comando do art. 3º, II, da Lei nº 8.009/90:
“(…) fica evidente que a finalidade da norma foi coibir que o devedor se escude na impenhorabilidade do bem de família para obstar a cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel, ou seja, de débito derivado de negócio jurídico envolvendo o próprio bem”. [3]
Assim, fundamentando seu voto em entendimentos consubstanciados em casos similares apreciados pela Terceira e Quarta Turma do STJ, concluiu que, a previsão contida no inciso II do art. 3º da Lei 8.009/90 impede que o devedor se valha da impenhorabilidade do bem de família para impedir cobrança de dívida contraída para aquisição, construção ou reforma do próprio imóvel. Portanto, a mesma ratio aplicada ao contrato de financiamento pode ser utilizada para o contrato de empreitada global, posto que viabiliza a edificação do imóvel.
Considerando que o voto da Ministra Relatora foi seguido pelos demais Julgadores, a Turma Julgadora negou provimento ao Recurso Especial, mantendo o entendimento do Egrégio Tribunal, exarando que é possível a penhora do imóvel para satisfação de dívida oriunda de contrato de empreitada global firmado para sua construção, vez que se enquadra na exceção prevista no inciso II do art. 3º da Lei 8.009/90.
[1] BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
[2] BRASIL. Lei 8.009, de 29 de março de 1990. Impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2021/0251141-5, da Terceira Turma, 11 de março de 2022.
Isabela Cristina de Faria