Os desafios do teletrabalho e o papel da empresa.
por CCHDCNão é novidade a tendência mundial em adotar o regime de teletrabalho, trabalho remoto, home office, anywhere office, e tantas outras nomenclaturas usadas para descrever uma única coisa: a possibilidade de trabalhar fora do ambiente empresarial e corporativo.
Ao passo que a possibilidade de trabalhar remotamente é um atrativo para muitos profissionais, ao ponto de ser muitas vezes um critério de desempate entre duas vagas pretendidas por um trabalhador ou até mesmo para sua permanência em uma empresa, esta tendência deve ser abordada com muita cautela, tanto por ser uma modalidade de trabalho nova, como pelos reflexos trabalhistas que pode gerar.
Isto se verifica com muita clareza nas oportunidades em que um funcionário, no regime de trabalho remoto ou semelhante, aproveitando-se da desnecessidade de comparecimento na empresa, decide trabalhar remotamente de outra localidade, seja cidade, estado ou país.
O trabalho remoto é muito vantajoso justamente pela flexibilidade que um trabalhador tem de poder exercer suas atividades de qualquer localidade. Porém, esta vantagem se torna um obstáculo quando há uma falha de comunicação com sua empregadora ou não há um alinhamento sobre como estas atividades serão executadas, principalmente quando o trabalhador decide mudar o local de sua residência.
Vemos trabalhadores viajando e se mudando para localidades distantes da sede de sua empregadora para o exercício de suas atividades, sendo que isto sequer é comunicado à empresa em que trabalha. E esta conduta é mais comum do que se imagina, o que pode ser muito preocupante, justamente pela ausência de regulamentação a este respeito ou um alinhamento interno na empresa estabelecendo o procedimento adequado para que um trabalhador possa atuar de qualquer localidade, ainda que em cidade distinta daquela em que mora ou em que a empresa está situada.
As preocupações que surgem com esta prática são muitas, especificamente no que toca à saúde e segurança do trabalho, bem como em relação à própria jornada de trabalho.
Se tomarmos, por exemplo, o papel da empregadora em fornecer todos os meios de execução do trabalho, tal como o computador, acessórios eletrônicos, utensílios de escritório, equipamentos ergonômicos e afins, é fácil de se observar que tudo isto é necessário ao trabalhador para o exercício de suas funções.
Especial atenção deve se ter em relação aos equipamentos ergonômicos, principalmente pela alta chance de desenvolvimento de doenças ocupacionais pelo trabalho em posturas antiergonômicas, razão pela qual muitas empresas fornecem todos os tipos de apoios e acessórios disponíveis no mercado para promover a execução do trabalho em plena conformidade com a lei e normas regulamentadoras.
Porém, se um trabalhador decide mudar de estado, ou até mesmo de país, sem o prévio conhecimento da sua empregadora, como poderia ser efetuado o fornecimento de tais equipamentos? Poderia o trabalhador transportar tais equipamentos, como, por exemplo, uma cadeira ergonômica, para outra localidade, sendo este um patrimônio da empresa?
Outro obstáculo que se encontra é no caso de mudança para outro país, onde certamente haverá um fuso-horário diferente. Nestes casos, como poderia ser fixado uma jornada de trabalho, considerando que horário comercial de sua empregadora seria diferente do horário comercial no país em que o trabalhador reside?
Não se pode deixar de observar, também, as preocupações que surgem com a própria tendência do anywhere office, onde um funcionário pode trabalhar de qualquer lugar. Novamente, usando como exemplo a segurança e saúde do trabalho, é fato que um empregador deve zelar pelo bem-estar e saúde de seu funcionário, promovendo todos os meios necessários para que possa exercer suas atividades da forma mais salubre e sadia possível.
Porém, como seria possível, por exemplo, saber se o trabalhador está observando as condutas ergonômicas corretas para o exercício de suas atividades? Por certo que se um funcionário trabalhar de uma cafeteria, biblioteca, ou qualquer outro estabelecimento comum e sem infraestrutura para o trabalho corporativo, não haverá os equipamentos e acessórios necessários para a realização do trabalho dentro dos padrões ergonômicos.
Assim, considerando o papel da empregadora no fornecimento de meios para execução do trabalho de forma saudável, como entraria sua responsabilidade no caso de desenvolvimento de uma doença ocupacional e afins?
Todos os estes são questionamentos que devem ser feitos na estrutura interna de uma empresa ou de um negócio, principalmente pelo fato de não haver uma norma ou lei regulamentando esta questão de forma específica. E isto deve chamar a atenção, ainda mais, quando observamos que a responsabilidade da empregadora, no que toca à saúde e segurança do trabalho, é objetiva, ou seja, não depende de prova para existir; havendo um dano, há a responsabilidade, ainda que não haja culpa.
Neste sentido, apesar de não haver vedação quanto à execução do trabalho em qualquer localidade, e tampouco sendo vedada a mudança de domicílio de um funcionário que trabalha remotamente, especialmente pelo que disciplina a Lei 14.442/2022, lei que trouxe novas disposições sobre o teletrabalho, é fato que a transparência entre empregador e empregado é fundamental para que a relação de trabalho se desenvolva da forma mais legítima e legalizada possível.
Diante disto, o ideal é que, para as empresas que adotam o teletrabalho, se estabeleça um procedimento interno para a realização do trabalho remoto, estabelecendo a necessidade de comunicação entre trabalhador e empregador, para que (i) o empregador tenha conhecimento do paradeiro de seu funcionário, (ii) seja estabelecido os meios de execução das atividades do trabalhador caso esteja domiciliado em outro estado ou país, (iii) o funcionário seja orientado sobre todas as precauções necessárias para o exercício de sua função, principalmente condutas preventivas para acidentes e doenças do trabalho, dentre diversos outros procedimentos imprescindíveis para que tanto o trabalhador tenha resguardada a flexibilidade para trabalhar de qualquer localidade, como a empresa tenha a segurança de que está atuando em conformidade com a lei e normas regulamentadoras.
Neste cenário, apesar de as mudanças na relação de trabalho serem inevitáveis, sendo necessário aos trabalhadores e empregadores acompanhar estas mudanças, é possível se buscar meios seguros para viver esta realidade em constante transformação.
Para isto, é imprescindível que a empresa sempre se resguarde por todos os meios permitidos e autorizados pela lei para promover um ambiente de trabalho salubre e uma relação empregatícia sadia, adotando todos os procedimentos e formalidades necessárias para isto, se mantendo atualizada sobre as alterações na lei e informada sobre os mecanismos que pode adotar para solucionar quaisquer conflitos desta natureza.
Autores:
Patrícia Maria Haddad
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Verônica Maiorini
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