A regulamentação de Trust no Brasil: Aspectos Gerais sobre o contrato de fidúcia à luz do PL 4.758/2020.
por CCHDCO Trust é um instituto jurídico muito utilizado no exterior, em especial em países de direito anglo-saxão. Por ser um importante instrumento de planejamento e proteção patrimonial e sucessória, bem como para evitar a fuga de recursos nacionais, foi editado o Projeto de Lei nº 4.758/20 (“PL 4.758”), o qual já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e se encontra em fase de votação no Senado.
Mas o que é o TRUST?
O Trust é um contrato privado, baseado em confiança, por meio do qual um indivíduo transmite a propriedade de bens e direitos a um agente fiduciário, o qual, por sua vez, gere, administra e distribui esses bens em favor de beneficiários determinados ou determináveis ou do próprio instituidor nos termos e condições previamente estabelecidos em contrato, este denominado trust agreement/trust deed. Neste contrato, existe a presença de três polos: (i) o indivíduo instituidor que transfere a parte ou a totalidade de seus bens, denominado Settlor; (ii) o indivíduo ou instituição que recebe esse bem e assume a responsabilidade de administrá-lo em benefício dos beneficiários, nos termos do contrato previamente definido, denominado Trustee; e (iii) beneficiários determinados ou determináveis do patrimônio afetado, indicados pelo settlor, os quais poderão ser terceiros ou o próprio instituidor, denominados beneficiaries.
Em que pese o contrato o Trust ser um instituto jurídico inédito no Brasil, o PL 4.758 estabelece a natureza de um contrato de fidúcia, que estabelece um regime de administração de bens de terceiros e determina exatamente seus requisitos, deveres das partes, condições preestabelecidas para a disponibilização desses bens. Este contrato servirá para administração de heranças, patrimônio de dependentes ou investimentos.
Qual é a relação jurídica do TRUST?
O Trust é uma relação jurídica estabelecida entre três partes:
1º – Um indivíduo (denominado Settlor ou fiduciante) que contribui ativos para o Trust;
2º – Indivíduo(s) ou empresa(s) (denominado Trustee ou agente fiduciário) nomeadas pelo Settlor para administrar os ativos do Trust e garantir que o acesso a tais ativos pelos beneficiários aconteça de acordo com as suas vontades, manifestadas no instrumento de constituição do Trust; e
3º – Pessoas ou instituições (denominadas beneficiários ou beneficiaries) que se beneficiarão da propriedade e de eventuais rendimentos desses ativos, seja imediatamente ou no futuro;
Porque instituir um trust/contrato de fidúcia?
A instituição do contrato de fidúcia/Trust faz com que os bens ou direitos objetos da fidúcia constituam patrimônio autônomo, afetado à finalidade estabelecida no ato constitutivo. Nesse sentido, este patrimônio responderá exclusivamente pelas dívidas e obrigações vinculados ao patrimônio, de modo a afastar a possibilidade de a propriedade fiduciária responder pelas dívidas do fiduciário, dos beneficiários e do fiduciante, exceto em caso de fraude.
Desse modo, a segregação do patrimônio transferido confere maior segurança jurídica ao instituto, de modo a assegurar que a transferência da propriedade dos bens aos beneficiários será realizada quando do implemento da condição ou decurso do prazo estabelecido no ato constitutivo. Com isso, há a proteção do patrimônio afetado, ainda que o fiduciário esteja insolvente, falido, em liquidação ou recuperação judicial.
O fiduciante pode, ainda, nos termos do PL 4.758, indicar protetor (protector) para o exercício de funções consultivas e fiscalizatórias junto ao fiduciário.
O que faltou de importante nesta regulamentação PL 4.758/2020?
O PL 4.758 trata de toda a regulamentação do contrato de fidúcia, com aspectos importantes à sua operacionalização, tais como a possibilidade de a fidúcia ser instituída por meio de contrato ou por ato unilateral; sua possibilidade de ser revogável ou irrevogável; a possibilidade de estabelecer como beneficiários pessoas físicas e jurídicas; destituição da função do fiduciário que, por culpa ou dolo, frustrar a finalidade da fidúcia; e hipóteses de extinção da fidúcia.
No entanto, o tratamento tributário do contrato de fidúcia/Trust não foi endereçado pelo PL 4.758. Atualmente, a Receita Federal se manifestou pela incidência de Imposto de Renda (às alíquotas progressivas de até 27,5%) nas distribuições realizadas por trustee residente no exterior a beneficiários residentes fiscais no Brasil, nos termos da Solução de Consulta n. 41, por entender que os valores recebidos não se enquadram como rendimentos de doação/herança (hipótese em que o acréscimo patrimonial seria isento de Imposto de Renda), e que tais valores seria rendimentos ordinários oriundos do exterior.
Com a falta da regulamentação na nova PL, a insegurança jurídica em relação ao instituto persiste, tendo em vista a ausência de norma regulamentado os tributos para poder estimular a aplicação e a criação de Trusts no Brasil.
O importante é que com a regulamentação a caminho de se efetivar, pode ser provável que o tema será abordado logo adiante para definir de uma vez por todas a ausência dos aspectos tributários para a operação do Trust e ele passar a ser utilizado no Brasil.
Autores:
Fernando Castellani
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Guilherme Lomonico
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Mayara Tornisiello
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