Artigos

Home  »   Publicações  »   Artigos  »  A legalidade da penhora de criptoativos e o parecer nº 40/2022 da CVM
31 de outubro de 2022

A legalidade da penhora de criptoativos e o parecer nº 40/2022 da CVM

por CCHDC

Recentemente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu o Parecer de Orientação nº 40/2022, no qual trouxe considerações relevantes para definições acerca da caracterização de criptoativos, dentre eles as criptomoedas, e a tendência da tokenização.

Dessa maneira, o movimento realizado pela CVM é de suma relevância, especialmente, em cenário no qual projetos de lei tramitam no Congresso Nacional para regulamentação dessa seara, estando dentre eles o Projeto de Lei (PL) nº 4.401/21.

Para compreender melhor a temática, é importante efetuarmos algumas definições.

Qual seria a natureza jurídica dos criptoativos, dentre eles as criptomoedas?

Muito se discute sobre a natureza jurídica dos criptoativos, vez que não possuem legislação determinante para sua criação e qualificação, bem como fogem do real sentido de papel-moeda.

Nesse deslinde, há grandes discussões sobre qual seria sua natureza jurídica, fundamentalmente, quanto ao seu caráter intrínseco. Ana Beatriz dos Santos Borges, em seu artigo intitulado “Bitcoin: Internet do Dinheiro e o Direito”, menciona que existem estudos que definem as moedas criptografadas com uma das seguintes naturezas: propriamente moeda, ativo, commodities e bem imaterial.

Num primeiro momento, pode-se considerar que as melhores opções de definição da criptomoeda seriam como ativo ou bem imaterial, havendo questionamento se poderia ser uma espécie de valor mobiliário. E, no Parecer de Orientação nº 40/2022, a CVM se manifestou sobre tal conceituação.

No primeiro parágrafo do mencionado documento, há a descrição dos criptoativos como ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs), sendo representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis.

Ainda, a CVM acabou por aceitar a caracterizá-los como valores mobiliários em determinados contextos, momento no qual os agentes envolvidos estão obrigados a cumprir as regras estabelecidas para o mercado de valores mobiliários e poderão estar sujeitos à regulação da CVM. Nesse cenário, os agentes de mercado devem analisar as características de cada criptoativo com o objetivo de determinar se é valor mobiliário, ainda que não estejam incluídos nos citados no artigo 2º da Lei n. 6.385/76.

Assim, o mencionado órgão entende que os criptoativos podem ser valores mobiliários quando são a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei nº 6.385/76 e/ou previstos na Lei nº 14.430/2022 e ou se enquadram no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei nº 6.385/76, na medida em que seja contrato de investimento coletivo.

Tal posicionamento da CVM é relevante, em circunstâncias nas quais há penumbra no tratamento jurídico dos criptoativos, especialmente, as criptomoedas, que estão altamente inseridas no cotidiano, movendo inúmeros recursos nos serviços promovidos por traders.

Como já expresso, está em trâmite o denominado Projeto de Lei das Criptos, o PL n. 4401/2021. Neste, há disposição interessante que, de certa forma, entra em conflito parcial com o entendido pela CVM, uma vez que em seu artigo 1º, parágrafo único, a legislação não se aplicaria aos ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e não altera nenhuma competência da Comissão de Valores Mobiliários. Ainda, define, em seu artigo 3º, que se considera ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento, arrolando algumas exclusões.

Para denotar o cenário de “confusão”, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em julgado do ano de 2022, conceituou as criptomoedas como bens móveis com função específica de meio de pagamento, ou seja, função monetária.

E o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no passado no sentido de que “as moedas virtuais não são tidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) como moeda, nem são consideradas como valor mobiliário pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)” (CC n. 161.123/SP, DJe 5/12/2018).

Em meio a essas indefinições, o parecer da CVM aparece como expoente para trazer entendimento sobre os criptoativos e sua receptividade às tecnologias que estão sendo inseridas no cotidiano.

 

Afinal, as minhas criptomoedas correm risco de serem penhoradas na execução civil?

Como já fora explicito em tópico anterior, as criptomoedas são ativos digitais utilizados para a troca de bens e serviços no âmbito digital, notadamente, pautadas na tecnologia do blockchain (meio pelo qual as transações são espalhadas pela rede mundial de computadores, compactuando com a maior segurança possível e, assim, evitar fraudes), e não estão vinculadas a nenhum Estado, no sentido real da palavra.

Tal conceito é de se ressaltar, pois isto implica na sua definição jurídica e no fato de que não há legislação que as regule e as conceitue como sendo expoente de algum instituto do direito. Assim, ante essa indefinição, questiona-se sobre a possibilidade de sua penhora em sede de execução civil.

O Código de Processo Civil define que, na execução, o devedor responde com todos os seus bens, imediatos ou futuros, em relação ao crédito cobrado, ressalvados aqueles que considerados como impenhoráveis.

Porém, cabe notar que não há impedimento legal no que tange à penhora “dinheiro, matérias-primas, ativos e bens imateriais (ideais postulados no estudo da natureza jurídica das criptmoedas)”, salvo salário e proventos de subsistência, o que nos leva a concluir que as criptomoedas são plenamente possíveis de penhora, podendo satisfazer a execução, visto que a regra é a penhorabilidade e a exceção, a impenhorabilidade (ALVES e DA SILVA, 2018).

Ora, é possível, pela ordem de preferência de constrição, adequar as moedas criptografadas em algumas hipóteses, como dinheiro (Art. 835, I), títulos e valores mobiliários com cotação no mercado (Art. 835, III), com base no atual entendimento da CVM de que, em dados contextos, podem assumir tal roupagem, ou outros direitos (Art. 835, XIII).

Nesta senda, a 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, no Agravo de Instrumento de nº 2202157-35.2017.8.26.0000, de relatoria do Desembargador Milton Paulo de Carvalho Filho, definiu esta possibilidade, considerando as moedas criptografadas, para o caso, o bitcoin, como bem imaterial dotado de conteúdo patrimonial. E mais recentemente, a 14ª Câmara de Direito Privado do mesmo Tribunal também apreciou o cenário e definiu as criptomoedas como bens móveis com função específica de meio de pagamento, ou seja, função monetária.

Portanto, já se observa, primordialmente, que não há nenhuma restrição para a penhora destes bens imateriais ou móveis com função de meio de pagamento, já que o devedor responde a execução com quantos bens de seu patrimônio necessários para satisfazer o crédito, sendo incluído naquele as criptomoedas.

No entanto, há uma série de implicações para esta penhora que devem ser avaliadas para a sua requisição, como fato de não estarem sujeitas a uma autoridade central controladora, inexistindo uma espécie de “Banco Central” que as regule e as rastreie mundial e nacionalmente. Além disso, há a questão da fragmentação e criptografia das transações.

Num segundo aspecto, há que se destacar a sua alta volatilidade, algo visto, diariamente, nos jornais e nos sítios eletrônicos. Em um último ponto, há uma necessidade de o credor indicar a existência e os locais em que se encontram, o que faz com quem a execução se torne excessivamente penosa para quem o crédito deveria ser realizado de forma simples e direta

Em que pese as dificuldades, se há ciência do credor da existência de moedas criptografadas ligadas ao devedor, o juiz pode e deve chamar este último a indicá-las. Se não tendo tal sapiência, nada se impede de se chamar o executado a indicar bens à penhora e, assim, notadamente, elencar estes ativos (Art. 829, §2, CPC/15).

Ademais, o Poder Judiciário poderá oficiar exchanges para que abram o sigilo com os seus clientes, principalmente, para com o devedor e quantas moedas este possui e o grau de movimentações que perfaz (BORGES, 2017).

Tendo este registro, há possibilidade de utilização dos Sistemas BACENJUD e INFOJUD para se buscar tais moedas e, desta forma, efetuar a penhora on-line, possibilitando a sua constrição e realização do crédito.

Por fim, cabe dizer que a própria PL das Criptos, aparentemente, traz entendimento passível de interpretação de que os criptoativos podem ser objeto de penhora, conforme se extrai do artigo 13 do texto legal, quando se observa o “outro lado” da disposição.

Diante do aqui exposto, conclui-se que há plena possibilidade de efetivação da penhora das criptomoedas, sendo tal constrição legal, visto que não existem impedimentos que tornem tal atitude como nula e, portanto, sem efetividade. Inclusive, tal medida é ainda mais válida pelo fato de a CVM ter admitido a possibilidade de equiparação com valores imobiliários em determinados contextos, o que demandará apreciação por parte dos agentes de mercado.

Dessa feita, no curso dos processos judiciais, há viabilidade de satisfação do crédito com a expropriação das criptomoedas, mediante pedido de penhora.

Inadmitir tal medida seria possibilitar aos devedores mais um subterfúgio para a ocultação de patrimônio e inadimplência, prejudicando a efetiva condução da execução e a satisfação de crédito. Ademais, com o avanço dos meios de pesquisa integrados ao Poder Judiciário, como as novas funcionalidades do SISBAJUD e a integração do SNIPER, há certa possibilidade de se passar a admitir a constrição de criptoativos, especialmente, após a aprovação da PL das Criptos.

 

Autores:

Mauricio Dellova de Campos
[email protected]

Isabela Cristina de Faria
[email protected]

Matheus Lucio Pires Fernandes
[email protected]

Deixe um comentário:

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *