Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: eficácia na satisfação do crédito
por CCHDCA atividade empresarial é fundamental para movimentar a economia, razão pela qual torna-se necessário que nosso ordenamento jurídico adote medidas para fomentar essa atividade e mitigar os riscos dela decorrentes.
Sob essa égide, o Código Civil adotou o princípio da autonomia patrimonial e da preservação da empresa em seu artigo 1.052, com expressa determinação de que nas sociedades limitadas, as dívidas das empresas serão respondidas apenas com os bens da sociedade, em regra, não alcançando o patrimônio pessoal dos sócios.
No entanto, não raro nos deparamos com a existência de empresários que se utilizam dessa proteção patrimonial conferida às sociedades limitadas como ferramentas para evitar que a responsabilização patrimonial recaia sobre seus bens ou que aproveitam dessa limitação para esvaziar o patrimônio da pessoa jurídica e descumprir com as obrigações financeiras da empresa.
Assim sendo, uma vez que seja verificada a existência de fraude e confusão patrimonial praticada pela pessoa jurídica de responsabilidade limitada ou por seus sócios, a parte ou o Ministério Público podem, desde que comprovados os requisitos da legislação vigente, instaurar o incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica, visando alcançar o patrimônio dos sócios para satisfação do crédito exequendo.
Requisitos da desconsideração da personalidade jurídica
A “MP da Liberdade Econômica” (Medida Provisória nº 881), posteriormente convertida na Lei nº 13.874/19, efetivou diversas alterações na legislação nacional, buscando reduzir a burocratização do exercício empresarial e maximizar a segurança dos empresários e, dentre as mudanças realizadas, foram normatizadas: (i) regras mais claras para aplicação da desconsideração; (ii) a desconsideração da personalidade jurídica inversa; e (iii) desconsideração da personalidade jurídica em caso de grupo econômico.
Buscando delinear de forma cristalina o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, a Lei da Liberdade Econômica alterou o artigo 50 do Código Civil para definir expressamente quais são os conceitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Entende-se como abuso da personalidade jurídica a existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, de modo que o desvio de finalidade “é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza” e a confusão patrimonial compreende “a ausência de separação de fato entre os patrimônios”.
Embora, muitas vezes, esses conceitos sejam abstratos, a jurisprudência atual tem adotado posicionamento de reconhecer que a manutenção da pessoa jurídica ativa perante a Receita Federal e/ou Junta Comercial, sem qualquer atividade de fato, pode ser entendida como um desvio de finalidade, por vislumbrar-se que a empresa constituída para operar empresarialmente teve sua função social deturpada e reduzida apenas à proteção do patrimônio dos sócios, os quais desejam descumprir as obrigações assumidas no decorrer da atividade empresarial.
O entendimento adotado considera que se os controladores – sendo os maiores interessados na manutenção do princípio da preservação da empresa – atuam com atos fraudulentos, não podem ser beneficiados pela preservação da empresa face aos notórios atos ilícitos cometidos.
É possível verificar, portanto, que a postura adotada pelos Tribunais prioriza a boa-fé empresarial acima dos demais princípios, que na prática são subvertidos pela conduta dos sócios que se utilizam da pessoa jurídica para realizar abusos com a certeza da proteção legal conferida às empresas.
A desconsideração da personalidade jurídica inversa e a desconsideração da personalidade jurídica com formação de grupo econômico
Além da desconsideração da personalidade jurídica padrão, verifica-se a existência de sua modalidade inversa, que consiste na possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para satisfazer dívidas pessoais do sócio. Nesta modalidade, os requisitos para a desconsideração são os mesmos, com a única diferença que o patrimônio se concentra na pessoa jurídica.
Essa hipótese é comum em casos em que há o esvaziamento patrimonial de bens do sócio, com a consequente transferência para a pessoa jurídica, visando tornar ineficaz qualquer método de execução que possa recair sobre a pessoa física, que não possuirá qualquer patrimônio apto a saldar a execução.
Muitas vezes, o esvaziamento do patrimônio não ocorre apenas entre os sócios e a pessoa jurídica, mas pode também utilizar-se de outras pessoas jurídicas constituídas com o intuito de ocultar o patrimônio e/ou de prosseguir com a mesma atividade empresarial, geralmente, no mesmo endereço e com a mesma clientela, burlando, assim, os credores da pessoa jurídica originária.
Nestes casos, é possível requerer o pedido de desconsideração da personalidade jurídica com formação de grupo econômico, objetivando-se satisfazer a execução com o patrimônio dos sócios destas empresas ou até mesmo com o patrimônio das empresas, quando existente.
A Desconsideração como ferramenta eficiente de satisfação da execução
Com a promulgação da Lei de Liberdade Econômica, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi devidamente regulamentado e amplificado, viabilizando, de forma mais eficaz, que as medidas executivas recaiam sobre o patrimônio dos sócios e de pessoas jurídicas coligadas que estejam envolvidas na prática dos atos fraudulentos.
Com o emprego do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, é possível buscar, na via judicial, a inclusão no polo passivo da ação de todos os agentes envolvidos na prática de atos fraudulentos, que configurem confusão patrimonial e desvio de finalidade da pessoa jurídica executada, garantindo, assim, maior possibilidade na satisfação do crédito.
Portanto, caso existam indícios ou ocorrência comprovada de esvaziamento patrimonial de determinada pessoa jurídica, é possível encontrar bens capazes de satisfazer a execução no patrimônio dos demais agentes envolvidos, desde que existentes os requisitos para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, medida esta que tem se mostrado efetiva em diversos casos nos quais a sociedade empresária não possui patrimônio em seu nome ou que foi irregularmente dissolvida, sem saldar suas dívidas perante os credores.
Autores:
Mauricio Dellova de Campos
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Isabela Cristina de Faria
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Renan de Faria Brandão
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