A legitimidade das associações pedirem recuperação judicial
por CCHDCA Lei 11.101/2005, que rege a recuperação judicial e extrajudicial, foi elaborada tendo como diretriz a preservação da atividade econômica viável, conforme expressamente consignado no parecer legislativo: “em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do País”¹. Essa diretiva utilizada pelo legislador foi consolidada expressamente no artigo 47 da referida com a seguinte redação:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Nota-se que a Lei 11.101/2005 preza pela proteção da atividade econômica viável, em razão dos benefícios sociais que dela decorrem: criação e manutenção de empregos, desenvolvimento econômico, aumento da concorrência na área de serviços e na produção de bens, recolhimento de tributos, dentre outros.
Assim sendo, não se necessita de maiores esforços argumentativos para entender que as atividades econômicas desempenhadas por algumas associações fazem jus a proteção da lei, como por exemplo: hospitais privados, escolas, universidades e clubes de futebol. Não há qualquer dúvida sobre o número de empregos gerado por esses agentes, os valores que movimentam, o impacto econômico e a sua relevância social na cidade em que se localizam.
Guiados por essas razões puramente lógica, os tribunais vêm admitindo o pedido de recuperação judicial e extrajudicial de associações:
- Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: reconheceu a legitimidade ativa da Associação Sociedade Brasileira de Instrução e do Instituto Candido Mendes, e do Hospital Amparo Feminino de 1912, constituído como associação civil, para requererem recuperação judicial;
- Tribunal de Justiça de Santa Catarina: e reconheceu a legitimidade ativa do Figueirense Futebol Clube, constituído como associação civil, para apresentar pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial;
- Tribunal de Justiça da Bahia: reconheceu a legitimidade ativa do Hospital Evangélico da Bahia, constituído como associação civil, para pleitear recuperação judicial;
Esse entendimento também já foi manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, tribunal responsável pela uniformização da interpretação da lei, ao manter o processamento da recuperação judicial do Grupo Metodista, transcreve-se²:
Realmente, muitas associações civis, apesar de não serem sociedade empresária propriamente dita, possuem imenso relevo econômico e social, seja em razão de seu objeto, seja pelo desempenho de atividades perfazendo direitos sociais e fundamentais em que muitas vezes o Estado é omisso e ineficiente, criando empregos, tributos, renda e benefícios econômicos e sociais.
(…)
É justamente em razão de sua relevância econômica e social que se tem autorizado a recuperação judicial de diversas associações civis sem fins lucrativos e com fins econômicos, garantindo a manutenção da fonte produtiva, dos empregos, da renda, o pagamento de tributos e todos os benefícios sociais e econômicos decorrentes de sua exploração.
Logo, após muito se fugir dessa matéria, e infelizmente em um momento caótico, os tribunais vêm percebendo a antinomia entre a intenção do legislador de preservar a atividade econômica e a função social, com a restrição do acesso aos instrumentos de superação da crise à certos agentes – associações, com o reconhecimento da legitimidade dos agentes econômicos não-empresários para pedirem a sua recuperação judicial ou extrajudicial. Deixou de ser uma faculdade, e passou a ser uma exigência de uma sociedade com 14,8 milhões de desempregados e um crescimento econômico pífio.
¹ Parecer nº 534, de 2004 – Senador Ramez Tebet, p. 19.
² AgInt no TP n. 3.654/RS, relator Ministro Raul Araújo, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 8/4/2022.
Autores:
Fernando Castellani
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Márcia Ferreira Ventosa
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Thaís Vilela Oliveira Santos
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Arthur Santos Gonçalves
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