Lei autoriza tabeliães de cartórios a atuarem como árbitros e deve popularizar arbitragem
por CCHDCExpectativa é de que profissionais passem a participar de julgamentos a partir de abril.
A possibilidade de realização de arbitragem por titulares de cartórios, estabelecida pela Lei das Garantias (nº 11.711/2023), deve popularizar esse meio alternativo de resolução de disputas, principalmente em temas como compra e venda de imóveis, inventários e divórcios. A expectativa é de advogados das áreas civil e imobiliária. Representantes dos notários esperam que profissionais passem a participar de julgamentos a partir de abril.
A mudança trazida pela Lei das Garantias é uma antiga exigência dos titulares de cartórios. A Lei dos Cartórios (nº 8935/1994) estabelece impedimentos para a atuação de notários, entre eles o exercício da advocacia e outras atividades. Para representantes do setor, a nova legislação elimina dúvidas e legaliza a atuação dos notários na arbitragem, conferindo segurança jurídica à prática.
Advogados ressaltam que notários reúnem características que podem ajudar a popularizar a arbitragem. Isso porque são profissionais altamente qualificados, têm alto grau de confiança da população, atuam em uma rede ampla e interiorizada e participam de um grande volume de negócios de vários tipos.
Segundo dados da Associação Nacional dos Notários (Anoreg), o Brasil tem 13.440 cartórios em 5.570 municípios. Em 2022 os cartórios formalizaram 1,4 milhão de contratos de compra e venda, 1 milhão de procurações, 213 mil inventários e 69 mil divórcios, entre outros.
Rogério Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), afirma que há um projeto piloto envolvendo a Escola Nacional de Notários para a formação em arbitragem, previsto para conclusão entre março e abril. O trabalho de regulamentação, segundo ele, ficará a cargo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Bacellar enfatiza que o objetivo é a popularização da arbitragem. “A regra democratiza, traz para as classes mais baixas. A arbitragem hoje é para grandes contratos internacionais, é muito elitizada”, diz.
Leandro Corrêa, diretor do Colégio Notarial Brasileiro (CNB), afirma que o momento ainda é de treinamento e qualificação dos profissionais. Porém, ele observa que, na prática, os notários já atuam regularmente na solução de disputas. A mudança veio apenas legalizar essa atuação. “Em muitos municípios a função do tabelião é resolver conflitos, ele é visto como um terceiro imparcial”, diz. “Mas não adianta se não tem a força da lei. A lei veio acabar com essa dúvida”, acrescenta.
Entre advogados, a percepção é de que a regra pode criar um novo mercado de arbitragem, atraindo novos casos e abrindo possibilidades profissionais. Para Gabriel de Britto Silva, advogado da área imobiliária, árbitro e integrante da comissão de arbitragem do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), o momento é de aproveitar a oportunidade para advogados especializados em arbitragem.
“Tenho uma visão otimista sobre o instrumento. Os tabeliães são profissionais muito qualificados e esse pode ser um jeito de a arbitragem chegar aos litígios de médio porte”, diz Silva. Ele também acredita que o movimento deve estimular a câmaras arbitrais a se movimentar para enfrentar a competição dos notários, o que deve colocar os preços para baixo. “As tabelas de custas das câmaras estão muito altas. A arbitragem ainda é vista como algo ‘gourmetizado’, caro, que não chega à população.”
Olivar Vitale, sócio do VBD Advogados, avalia que a medida tem tudo para levar a arbitragem onde ela hoje não chega, principalmente no interior, onde os tabeliães têm a confiança do cidadão leigo. Ele observa que os profissionais poderão atuar em temas relativos a imóveis, nos quais são especializados, como em contratos de compra e venda, heranças, sucessões, inventários, testamentos, doações e procurações.
Caio Fink, sócio da área de contratos do Machado Associados, diz ser positiva a inclusão da arbitragem como uma atribuição dos notários pela Lei de Garantias. “A Lei de Arbitragem [nº 9.307/1996] já estabelece que qualquer pessoa capaz e de confiança das partes pode atuar como árbitro. A recente alteração na Lei dos Cartórios vem legitimar a atuação do notário como árbitro”, afirma.
Em um contexto onde as arbitragens conduzidas pelas câmaras especializadas podem ser onerosas, acrescenta, “a possibilidade de um notário atuar como árbitro representa um avanço considerável na resolução de disputas”. Ele avalia que a mudança traz uma opção mais acessível e pode ser vantajosa para questões de menor complexidade.
Por outro lado, há quem questione os possíveis problemas resultantes de se confundir atividades públicas e privadas, colocando um agente público (notário) como prestador de um serviço privado (arbitragem). “Os cartórios funcionam como agentes delegados do poder estatal, cobrando taxas e emolumentos. Já a arbitragem e a mediação são instrumentos privados. Cartórios não são câmaras arbitrais”, diz Janaína de Castro Galvão, sócia do Innocenti Advogados.
André Abbud, presidente da Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), vai na mesma linha. Para ele, a confusão de funções públicas e privadas pode trazer problemas jurídicos e econômicos. Ele reforça que a lei autoriza o notário a atuar na função como pessoa física. Isso significa, afirma Abbud, que ele deve atuar ligado a uma câmara arbitral, não a um cartório. “Ele atua com seu CPF, não com seu CNPJ.”
Por fim há a questão da cobrança pelo serviço. Para Abbud, ela deve ser feita como em uma transação privada, não via custas e emolumentos estabelecidos em lei, como são cobrados os serviços dos cartórios. A cobrança da arbitragem por emolumento, diz, pode dar aparência de ato público, com possíveis consequências econômicas para o Estado, como a cobrança de indenizações e reparações se a arbitragem apresentar irregularidades.
Já há uma tabela de emolumentos fixando as custas da arbitragem, proposta pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Segundo a Lei estadual nº 9873, de 2022, as custas para o ato de arbitragem nos cartórios é de 4% do valor da causa, mais processamento e registro.
Por nota, o CNJ informa que sua posição quanto à arbitragem por notários ainda não foi definida. “A matéria ainda não foi objeto de avaliação pelo CNJ, que poderá, de ofício ou mediante provocação, expedir regulamentação destinada à organização e uniformização de normas e procedimentos”, diz.