Recuperação Judicial do Produtor Rural: bens essenciais e riscos
por CCHDCA recuperação judicial pode ser utilizada como um instrumento jurídico valioso para empresários em dificuldades financeiras, permitindo que continuem operando enquanto reestruturam suas dívidas. No setor rural, no qual a volatilidade econômica e climática pode impactar significativamente as operações, a recuperação judicial se torna uma ferramenta crucial, mas que deve ser utilizada com cautela, em razão dos pontos que serão aqui tratados.
A aplicabilidade da recuperação judicial ao produtor/empresário rural
A Lei 11.101/05 traz em seu bojo a regulamentação da recuperação judicial e tem como princípios basilares a manutenção da função social da empresa e a preservação da atividade empresarial.
Para que o produtor rural tenha o direito de se utilizar desse instrumento jurídico, necessita comprovar (i) dois anos de exercício de atividade rural e (ii) existência de registro na Junta Comercial à época do pedido.
Contudo, referida medida conta com alguns riscos e pode não ser uma saída efetiva frente ao endividamento, a depender do caso concreto, vez que alguns créditos podem não se sujeitar à recuperação e os bens ofertados em garantia podem ser reconhecidos como não essenciais à atividade, ficando desprovidos de proteção.
O que são créditos concursais (sujeito) e extraconcursais (não sujeitos) à recuperação?
O caput do art. 49 da Lei 11.101/05 prevê que os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos, são sujeitos à recuperação. Já o §3º do mesmo artigo faz uma ressalva quanto aos créditos que não se sujeitam ao procedimento e são considerados extraconcursais, senão vejamos:
Art. 49 – § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
Em observância à previsão, cabe explicar que os créditos sujeitos à recuperação serão negociados e pagos na forma e prazos do plano recuperacional, o que dá uma “folga” ao produtor rural.
Já os créditos extraconcursais, que não se sujeitam à recuperação, continuarão sendo perseguidos pelos credores, os quais poderão praticar atos de constrição e expropriação sobre os bens ofertados em garantias.
Cita-se, como exemplo de créditos extraconcursais, aqueles com alienação fiduciária (bens móveis, imóveis, direitos, ativos etc.) e a Cédula de Produto Rural com liquidação física ou representativa de operação de Barter, conforme prevê o art. 11 da Lei 8.929/94 (Lei da CPR).
A proteção legal dos bens essenciais à atividade rural
A Lei 11.101/05, por sua vez, limita o exercício do direito dos credores e impõe ao juízo recuperacional o dever de, no ato de deferimento do processamento da recuperação, qualificar os bens que considera essenciais à atividade do produtor, evitando-se, assim, uma constrição ou expropriação imediata.
Ressalva-se que essa competência tem limitação temporal, ou seja, o juízo recuperacional somente poderá determinar a suspensão dos atos de constrição e expropriação sobre bens de capital essenciais à atividade durante o stay period (§4º, art. 6º da Lei 11.101/05), o qual é de 180 (cento e oitenta) dias, podendo ser prorrogado por igual prazo, sob algumas condições. Neste período, é vedada a retirada dos bens considerados essenciais à atividade do produtor rural.
Se eventuais constrições sobre os bens essenciais forem formalizadas em período anterior à recuperação, em se tratando de crédito concursal, perderão efeito, vez que esse tipo de crédito será pago nas condições do plano de recuperação.
Entretanto, se a constrição estiver vinculada a crédito extraconcursal, a constrição subsistirá, ainda que seja vedado, durante o stay period, a desapropriação, retomada da posse do bem ou medidas constritivas.
Depois desse período, mesmo que os bens sejam fundamentais para as operações do produtor, o juízo da recuperação não terá mais a autoridade para determinar se esses bens são essenciais ou não.
Não haverá uma proteção legal que impeça que um determinado ativo seja alvo de constrições ou expropriações, em razão das dívidas, sejam elas extraconcursais ou concursais, caso não sejam pagas conforme o plano de recuperação.
Quais bens são considerados essenciais para atividade rural?
Em que pese a legislação não definir, expressamente, quais são os bens considerados essenciais, a jurisprudência e a doutrina têm seus respectivos posicionamentos, que, em alguns casos, são divergentes, dado o contexto do caso concreto.
Em termos gerais, os bens essenciais à atividade rural são compreendidos como aqueles indispensáveis para o desenvolvimento da produção agropecuária, como maquinários, implementos, equipamentos, imóveis e insumos agrícolas.
O §1º do art. 5ª da Lei 8.929/94, por sua vez, traz a possibilidade de que na própria CPR conste o apontamento, pelo emitente, sobre a essencialidade dos bens móveis e imóveis dados em garantia. Essa informação representa, portanto, um ajuste pactuado previamente entre as partes, e deverá ser considerada pelo Judiciário, caso haja o questionamento da essencialidade em processo recuperacional.
Em decisão relevante sobre a temática aqui tratada, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.991.989, entendeu que os produtos agrícolas, como soja e milho, não são considerados bens de capitais essenciais à atividade. Com essa decisão, possibilitou que os credores retirassem as sacas da fazenda.
Na ótica da relatora Ministra Nancy Andrighi, é imprescindível analisar se o bem, móvel ou imóvel, é necessário à manutenção da atividade produtiva, cabendo citar, como exemplo, os veículos de transporte, os silos de armazenamento, geradores, prensas, colheitadeiras e tratores.
Em seu ver, os grãos/produtos cultivados e comercializados não fazem parte do processo produtivo, mas são, em verdade, o produto da atividade. Assim sendo, para que o juízo possa ser pronunciar sobre a essencialidade do bem são necessários dois requisitos: (i) ser bem de capital e (ii) ser bem essencial à atividade empresarial.
Análise prévia e adoção de medidas efetivas para negociação de passivos
Em resumo, em que pese haver decisões de Tribunais e juízes que considerem os produtos agrícolas como bens essenciais, restringindo as ações dos credores durante o stay period, de modo contrário à decisão do STJ, o produtor rural, ao cogitar a possibilidade da recuperação judicial, deve estar atento à jurisprudência predominante, assim como em relação às dívidas que não estarão sujeitas ao processo recuperacional e às garantias atreladas.
Caso as dívidas estejam garantidas com produtos agrícolas, e o produtor ou empresa rural conte com a comercialização para captação de recursos, ficará gravemente prejudicado, caso o órgão julgador siga o atual entendimento da Terceira Turma do STJ.
Diante dessas nuances legislativas e recentes posicionamentos do Judiciário sobre o tema, é necessário todo cuidado e atenção antes do ajuizamento de uma recuperação judicial.
Nosso corpo jurídico está preparado para analisar a composição do passivo do produtor rural e as garantias relacionadas, a fim de identificar se recuperação é a saída mais adequada ou se podem ser empregadas outras medidas mais efetivas para administração e negociação das dívidas, seja mediante renegociação, pedidos de prorrogação ou, até mesmo, via recuperação extrajudicial.
Autores:
Isabela Cristina de Faria
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Luiz Guilherme Moreti
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