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14 de outubro de 2024

STF modula, enfim, os efeitos da ADI 5322

por CCHDC

Em junho de 2023 o STF invalidou dispositivos-chave da Lei de Motoristas, como o tempo de espera e o descanso fracionado. A decisão não deixou claro o termo inicial para os efeitos, o que trouxe receio de um passivo bilionário para as empresas. Na última semana, porém, o STF finalmente modulou os efeitos e colocou um ponto final da discussão.

A Lei dos Motoristas (Lei 13.103/2015), conhecida popularmente como a Lei dos Caminhoneiros, foi criada com o objetivo de regulamentar as condições de trabalho dos motoristas profissionais, estabelecendo regras específicas para o setor de transporte rodoviário.

Um dos pontos principais introduzidos pela lei foi o artigo 235-C, §1º da CLT, que estabelecia que “como trabalho efetivo o tempo em que o motorista empregado estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso e descanso e o tempo de espera“.

Desde a sua implementação, a lei buscou equilibrar os interesses dos empregadores e dos trabalhadores, além de trazer segurança para os empregadores do setor.

Contudo, a previsibilidade trazida pela lei sofreu uma reviravolta em junho de 2023 quando o STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, declarou a inconstitucionalidade de vários dispositivos.

Os pontos mais impactantes foram os seguintes:

  1. Tempo de Espera: a exclusão do tempo de espera da jornada de trabalho foi invalidada. O STF entendeu que esse período deve ser considerado como tempo efetivo de serviço, pago como horas extras. Em termos práticos, o motorista que aguarda para carregar ou descarregar o veículo está à disposição do empregador, sendo devido o pagamento integral dessas horas.
  2. Descanso Fracionado: foram invalidadas as regras que permitiam o fracionamento do descanso interjornada e semanal.
  3. Descanso em Movimento: foi proibida a prática de descanso enquanto o veículo está em movimento, mesmo em casos de revezamento entre dois motoristas.

Além dessas alterações profundas, após a declaração de inconstitucionalidade, surgiu um grande debate sobre os efeitos retroativos dessa decisão. Ou seja, a partir de qual momento passaria a valer a decisão do STF.

Por que a modulação dos efeitos era essencial?

Concretamente, a questão da chamada “modulação” era de suma importância, justamente porque a decisão do STF não era clara quanto ao momento em que os efeitos da decisão atingiriam os contratos de trabalho.

O maior receio dos empregadores estava na invalidação retroativa, que poderia gerar passivo acumulado ao longo dos últimos 10 anos, desde que a lei surgiu. Essa preocupação era totalmente justa e relevante. Afinal, a decisão do STF poderia implicar em uma série de pedidos retroativos relacionados a:

  1. Diferenças indenizatórias pelo descanso fracionado: empresas poderiam ser cobradas por diferenças no descanso interjornada e semanal, anteriormente permitidas por lei;
  2. Horas extras pelo tempo de espera: o período que anteriormente era tratado como tempo de espera e pago de forma indenizatória (equivalente a 30% do salário normal) agora deve ser integralmente remunerado como jornada de trabalho;
  3. Pagamentos relacionados ao descanso em movimento: a proibição do descanso em veículos em movimento também significa que todas as práticas realizadas até a data da decisão podem ser questionadas.

Para que se tenha uma ideia, o passivo trabalhista esperado para o setor de transporte rodoviário era superior a R$ 250 bilhões.

O risco de um passivo bilionário e a insegurança jurídica resultante fizeram com que a modulação dos efeitos fosse aguardada com grande expectativa por todo o setor de transportes rodoviários, o que finalmente foi resolvido nessa última sexta-feira (11/10).

 

STF modula efeitos e evita impacto bilionário

A modulação foi finalmente decidida com a apresentação dos embargos de declaração pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT).

Em sua decisão, o STF, por maioria, concordou em limitar os efeitos da inconstitucionalidade dos dispositivos legais, evitando uma avalanche de passivos retroativos para as empresas do setor.

O relator, ministro Alexandre de Moraes, deixou claro que a modulação era necessária para manter o equilíbrio econômico e jurídico do setor de transporte rodoviário.

Nos termos exatos da decisão, o relator concluiu:

“ACOLHO PARCIALMENTE os Embargos de Declaração opostos pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT para (a) reiterar o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas (art. 7º, XXVI, da CF); (b) modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuir-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata do julgamento de mérito desta ação direta.”

Assim, a decisão do STF passa a valer apenas a partir da publicação da ata do julgamento, garantindo que as empresas não sejam responsabilizadas retroativamente e permitindo que o setor se ajuste às novas regras com maior previsibilidade.

O que sua empresa precisa fazer agora?

A decisão do STF traz um novo cenário para as operações de transporte rodoviário, exigindo das empresas atenção redobrada às regras de jornada de trabalho e descanso dos motoristas.

Aqui estão algumas ações essenciais para se preparar:

  1. Revisar contratos e práticas de trabalho: é fundamental que as empresas do setor se certifiquem de que todos os contratos de motoristas estão alinhados com a nova interpretação jurídica, especialmente em relação ao pagamento de horas extras e ao tempo de espera.
  2. Ajustar processos operacionais: além disso, as empresas precisam ajustar suas operações para garantir que os períodos de descanso sejam respeitados de forma integral, sem fracionamentos, e que motoristas possam usufruir de pausas adequadas e reparadoras.

Diante do risco de um passivo bilionário para as empresas, a recente modulação dos efeitos foi crucial para limitar o impacto, estabelecendo que a decisão só valerá a partir da publicação oficial, o que garante mais segurança e previsibilidade.

Cabe agora às empresas verificar as ações em trâmite, zelando para que a decisão do STF seja corretamente aplicada e, operacionalmente, agir rápido para se adequar ao novo cenário estabelecido.

Autores:

Luiz Paulo Salomão
[email protected]

Patrícia Maria Haddad
[email protected]

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