Questão não resolvida da suficiência probatória no processo do trabalho
por CCHDCO Tribunal Superior do Trabalho encerrou 2024 consolidando seu papel como corte de precedentes, conforme destacado em recente balanço institucional. Entre as iniciativas adotadas, destacam-se a reformulação da jurisprudência, o aprimoramento da gestão dos recursos repetitivos e o fortalecimento do papel da Comissão de Jurisprudência e de Precedentes Normativos.
Essas medidas visam a uniformizar a aplicação do direito do trabalho e garantir maior previsibilidade às decisões judiciais. No entanto, um problema essencial permanece intocado: a questão da suficiência probatória. Esse grande elefante branco continua no meio da sala.
Desde que o ministro Aloysio Corrêa da Veiga assumiu a presidência do TST, observa-se um esforço sistemático na direção de consolidar a corte como um tribunal de precedentes. Medidas como a revisão de jurisprudência, a estruturação de teses vinculantes e o fortalecimento da uniformização decisória têm sido centrais nessa busca. Tudo isso é bom e só não vê com bons olhos quem realmente não entende do assunto ou acha que imprevisibilidade é algo bom.
Ainda que esse movimento do atual presidente seja extremamente bem-vindo e festejado por todos os advogados que conhecem minimamente as idiossincrasias da Justiça e do Processo do Trabalho, nem tudo são flores. A reforma deixa a operação mais organizada, dá instruções mais claras a quem usará tintas, mas não resolve o problema da subjetividade.
Parâmetros uniformes
Façamos de conta que exista uma parábola dos “três jardineiros”. Nela, três jardineiros são responsáveis por cultivar um vasto jardim comunitário. A ordem do patrão é que o jardim esteja bonito. Cada um possui seu próprio método para regar e nutrir as plantas. Um usa uma quantidade generosa de água, outro preferia economizar, e o terceiro seguia um método totalmente distinto. Com o tempo, o jardim fica desigual: algumas plantas floresciam exuberantemente, enquanto outras murchavam. Foi então que um sábio jardineiro sugeriu a criação de um padrão para a irrigação e adubação, definindo a quantidade ideal de água e nutrientes necessária para o pleno desenvolvimento de todas as plantas. Com essa diretriz unificada, o jardim prosperou de forma harmônica e previsível.
E qual a moral da história dessa parábola ficcional? Sem parâmetros mínimos e uniformes (a suficiência probatória), mesmo as melhores intenções podem gerar resultados fragmentados e desiguais.
Não basta dizer que é necessário regar diariamente ou que o jardim deve ficar bonito, ainda que a tarefa pareça simples e que as subjetividades dos jardineiros pareçam não se importar.
A parte mais importante é o estabelecimento do “necessário” para que se chegue a uma conclusão. Sem isso, ainda que haja uma decisão para uma hipótese, ao seguir caminhos diferentes no percurso cognitivo, dois julgadores podem chegar a lugares completamente diferentes.
Para o que nos importa, a questão concretamente é uma só: a existência de precedentes só é efetiva se houver parâmetros claros sobre o grau de prova necessário para a sua aplicação.
A ausência de critérios objetivos sobre a suficiência probatória torna qualquer tentativa de padronização jurisprudencial uma ferramenta limitada e de aplicabilidade incerta.
Fraude em terceirização
Um exemplo claro ocorre na análise de fraude em terceirização: a criação de um precedente que diferencie fraudes legítimas de contratações regulares será inútil se não houver uma padronização acerca dos elementos probatórios indispensáveis para se chegar a essa conclusão.
No entanto, o que se vê na prática é a subjetividade excessiva na condução da fase instrutória, variando conforme a percepção do magistrado e sua experiência pregressa, o que leva a um alto índice de imprevisibilidade.
O maior desafio reside na diversidade e na imprevisibilidade com que juízes de primeiro grau conduzem, permitem e interpretam provas, além da forma como tribunais regionais dimensionam a suficiência probatória.
Em muitos casos, a falta de critérios padronizados leva a uma inversão de ônus probatório inadequada, gerando decisões contraditórias mesmo diante de circunstâncias fáticas idênticas.
Perguntas simples escancaram o problema: o que basta para reconhecer a chamada “culpa exclusiva”? O que é suficiente para reconhecer um “cargo de confiança”? Quais a suficiência probatória de um “vendedor externo”? Quanto de prova é necessário para comprovar que uma dispensa foi ou não “discriminatória”?
A resposta para essas perguntas reside em fatores problemáticos: depende do juiz que julgar, depende do tribunal que analisar a questão.
Ou seja, não temos previsibilidade, ainda que um precedente diga que “cargo de confiança” é isso ou aquilo, tem direito a isso ou aquilo. O percurso continua subjetivo.
Previsibilidade das decisões comprometida
Ainda que os precedentes que o TST vêm buscando estabelecer sejam muito bem-vindos, é igualmente verdadeiro, a nosso ver, que a ausência de diretrizes claras quanto à “quantidade” de prova compromete a previsibilidade das decisões e que isso não se resolve por precedentes da forma como o TST vem se propondo estabelecer. No reconhecimento de cargo de confiança, por exemplo, enquanto algumas turmas exigem prova concreta do poder de mando e gestão, outras se contentam com a nomenclatura do cargo ou com o mero pagamento da gratificação correspondente.
A mesma situação ocorre na análise de dispensa discriminatória, em que a necessidade de prova da motivação ilícita da dispensa oscila entre tribunais, ora recaindo sobre o empregado, ora sobre o empregador. Outro exemplo relevante é o ônus da prova em casos de dano moral para alegações envolvendo assédio: enquanto algumas decisões exigem comprovação inequívoca do abalo sofrido, outras admitem presunções amplas, abrindo margem para decisões altamente subjetivas e imprevisíveis.
Sem a definição clara sobre a suficiência da prova, a criação de precedentes corre o risco de se tornar um exercício meramente teórico, incapaz de trazer efetiva segurança jurídica. A subjetividade permanece. A imprevisibilidade no tratamento da prova desestabiliza as relações de trabalho e perpetua a incerteza para empregadores e trabalhadores.
A insegurança jurídica gerada por essa lacuna impacta diretamente na previsibilidade das decisões e aumenta a litigiosidade, pois sem balizas claras sobre o padrão probatório exigido, partes litigantes tendem a levar suas demandas até as instâncias superiores na tentativa de obter uma decisão favorável baseada em interpretações diversas.
Corte de precedentes
Se o Tribunal Superior do Trabalho busca se consolidar como uma verdadeira corte de precedentes, a uniformização da suficiência probatória deve ser enfrentada com urgência e paralelamente aos temas amplos que vêm sendo objeto de julgamento repetitivo e/ou vinculante.
A previsibilidade das decisões judiciais e a segurança jurídica exigem que a aplicação de precedentes não seja meramente formal, mas sim sustentada por um nível mínimo de evidências claramente definido. Esse nível de exigência probatória pode ser estruturado por meio da criação de standards probatórios, ou seja, padrões objetivos de avaliação das provas que devem ser atendidos para que um precedente seja corretamente aplicado.
Os standards probatórios estabelecem critérios de qualidade e quantificação das provas, permitindo que os tribunais determinem de maneira mais precisa o que é considerado “suficiente” para a fundamentação das decisões. A adoção desses padrões probatórios no TST proporcionaria maior clareza sobre o grau de robustez e confiabilidade exigido nas provas para que o precedente seja de fato seguido. Esse modelo poderia, por exemplo, distinguir entre diferentes tipos de prova, como prova documental, testemunhal e pericial, e atribuir a cada uma delas um peso específico, dependendo do contexto do caso. Indicar o que precisa ser provado impreterivelmente e o que não é obrigatório.
A suficiência probatória, por sua vez, seria a garantia de que o conjunto de provas apresentado seja suficiente para embasar a decisão e a aplicação do precedente, sem que a interpretação dos juízes seja excessivamente subjetiva ou vulnerável a inconsistências. A falta de critérios claros para determinar a suficiência probatória é um dos principais obstáculos para a uniformização da jurisprudência, pois leva a decisões contraditórias que prejudicam a segurança jurídica.
Dessa forma, a suficiência probatória deveria ser vista como um parâmetro mínimo, um limite que define a quantidade e qualidade das evidências necessárias para que o precedente seja considerado aplicável a um novo caso.
Suficiência de provas em termos objetivos
Portanto, o que nos parece é que não basta a simples formulação de diretrizes interpretativas. O TST precisa estabelecer standards probatórios que definam a “suficiência” das provas em termos objetivos e técnicos, sem deixar margens para interpretações divergentes. Uma vez adotado um nível mínimo de evidências bem delineado, será possível criar um ambiente no qual os tribunais possam aplicar precedentes com maior segurança, sem que o risco de fragmentação jurisprudencial se perpetue.
A vinculação aos precedentes deve ser realizada com base em um conjunto probatório robusto, garantindo a coerência entre as decisões e a previsibilidade das soluções jurídicas, elementos essenciais para a consolidação da segurança jurídica no âmbito trabalhista.
Afinal, não basta a formulação de diretrizes sobre a matéria, mas uma revisão da forma como os tribunais lidam com o ônus da prova, garantindo que a adoção de um precedente seja vinculada a um patamar mínimo de evidências bem delineado.
Sem isso, a coerência jurisprudencial permanecerá fragmentada, e a previsibilidade decisória, que é um dos pilares da segurança jurídica, seguirá comprometida.